Um voo entre Santa Cruz de la Sierra e Buenos Aires surpreendeu ontem ao sobrevoar o Oceano Atlântico antes de pousar. A rota incomum do voo OB708, operado pela Boliviana de Aviación (BoA), no dia 5 de junho, levantou suspeitas de emergência ou incidente. Mas a verdade é mais técnica do que alarmante: tudo foi parte de uma manobra legal e financeira conhecida no setor da aviação.
Segundo a própria companhia aérea, o desvio de rota foi totalmente planejado e seguro. O Boeing 737-800 de matrícula -3204, com 166 ageiros a bordo, decolou normalmente, mas em vez de seguir direto para Buenos Aires, voou rumo ao leste, adentrando águas internacionais sobre o Oceano Atlântico, antes de retornar ao Aeroporto de Ezeiza. O procedimento adicionou cerca de uma hora ao voo.
A razão? Um processo de novação contratual da aeronave, que exigia, por aspectos jurídicos, que o avião estivesse fora do espaço aéreo nacional para que a transferência de propriedade fosse validada sob jurisdição internacional. O termo jurídico central é Lex Situs — expressão em latim que significa “lei do local onde está o bem”.
Por que sobrevoar o mar?
A prática é comum em transações de leasing e compra de aeronaves. Quando a aeronave entra em águas internacionais, ela deixa de estar sob a soberania de um país. Isso permite que o contrato seja regido por uma lei neutra — geralmente a inglesa ou a de Nova York — evitando impostos e complicações legais que podem surgir se a transação ocorrer em solo nacional.
A doutrina de Lex Situs foi reforçada em casos famosos como o “Blue Sky One vs. International Lease Finance Corporation“, onde a Justiça britânica definiu que a validade da transferência de propriedade depende do local físico do avião no momento da transação. Desde então, muitos contratos são formalizados no ar, fora de jurisdições terrestres, como informou em detalhes o portal parceiro Aviacionline.
O que é uma novação?
Novação é um ato jurídico que substitui uma obrigação anterior por uma nova. Na aviação, isso costuma ocorrer quando um contrato de leasing é transferido de um arrendador para outro, com aval da companhia aérea. É um processo comum e parte da rotina global de gerenciamento de frotas.
No caso do voo OB708, tudo indica que houve uma mudança contratual envolvendo a SMBC, empresa que detém a aeronave, possivelmente transferindo o ativo entre diferentes fundos de investimento. Como prática de mercado, essa troca é realizada durante o voo em águas internacionais, justamente para garantir segurança jurídica.
Nada de incidente, só um processo técnico
A trajetória incomum não foi erro nem emergência, mas uma etapa visível de um procedimento técnico bem executado. A operação não trouxe risco aos ageiros e se tornou mais um exemplo de como o setor aéreo alia precisão, direito internacional e engenharia financeira para manter sua operação segura e eficiente.
